quarta-feira, 8 de junho de 2011



08 de junho de 2011 | N° 16724
MARTHA MEDEIROS


Quebrando o Tabu

Não assisti ao documentário Quebrando o Tabu, mas pretendo fazê-lo o mais breve possível, já que discute um assunto que interessa a todos: o combate às drogas. Ainda não tenho opinião fechada a respeito.

Simpatizo com a descriminalização (que de certa forma já está em curso: os usuários não são mais presos), mas tenho dúvidas quanto a liberar o comércio da maconha. Havendo rigor na regulamentação do uso (zero propaganda, nenhuma glamorização, rígida restrição aos locais de consumo, apreensão definitiva da carteira de motorista para quem for pego dirigindo sob efeito da droga etc.), a liberação poderia até ser benéfica, uma vez que afastaria o usuário do traficante e desaqueceria o mercado ilegal.

Por outro lado, não se pode prever as consequências quanto ao incremento do hábito junto àqueles que ainda não o possuem: o fato de não ser mais proibido atrairia novos adeptos? Desconfio que não com significância, mas vá saber.

É um assunto ainda muito movediço.

O que se sabe é que proibir não inibe o consumo e que o tráfico é responsável pela criminalidade assombrosa do país. E assim continuará enquanto não se enfrentar o tema com objetividade, sem dar espaço para preconceitos ou alarmismos.

Na falta de um consenso, só nos resta seguir chamando a atenção de nossos adolescentes para o tamanho do estrago que a droga pode provocar. Enquanto estive em férias, aconteceu um crime estúpido no litoral do Estado, provocado pela passionalidade do assassino, mas em que a droga teve um protagonismo evidente. Quem era o cara? Visto de fora, tudo o que um garoto deseja ser: bonito, esportista, rico, valentão. Mas de forte não tinha nada, ou teria sabido conduzir a vida de forma mais saudável e inteligente.

O surfe é o esporte fetiche de uma garotada que tem ao seu dispor, só aqui no Brasil, uma orla de cerca de 8 mil quilômetros de extensão. Praia, mar, ondas, meninas bonitas em volta, tudo faz parte de uma grande fantasia, mas o luau parece incompleto se não rolar um baseado para coroar o clima havaiano. É preciso acabar com essa caricatura. Uns conseguem fumar seus baseados na adolescência e depois fazer o rito de passagem para a vida adulta sem levar adiante o hábito, ou levando-o sob total controle.

Outros não conseguem, não têm esse autodomínio e colocam tudo a perder. São pessoas com um profundo vazio existencial que precisam de uma bengala a vida inteira, e uma bengala cada vez mais potente para lhes suportar o peso.

Migram para drogas mais corrosivas e aí, um dia, com o cérebro carcomido, cometem barbaridades. Que se aproveite essa tragédia lamentável que aconteceu num universo tão aparentemente sadio e tão idealizado para que se caia na real. Por enquanto, a única maneira concreta de combater as drogas é não usá-las.


08 de junho de 2011 | N° 16724
DAVID COIMBRA


Os nada ecológicos índios brasileiros

Os índios brasileiros nunca foram “ecologicamente corretos”, nem “integrados com a Natureza”, como tantos apregoam. Ao contrário, eram predadores ferozes, dizimaram diversas espécies de animais e, para caçar, empregavam o método mais destrutivo que o homem conhece: as queimadas, chamadas por eles de “coivaras”.

Nenhuma surpresa. Os índios eram nômades, e os nômades sempre viveram da exploração da Natureza, não da sua transformação, como fazem os sedentários. Povos nômades estacionam em um local, servem-se dos recursos da região e, depois de exauri-los, vão-se embora, deixando atrás de si o que mais o ser humano produz em qualquer tempo e lugar: o lixo. Para eles isso não tinha a menor importância, porque em geral os nômades dispunham de muito espaço para explorar.

Essa característica dos índios brasileiros já era mais ou menos conhecida, já havia sido descrita por alguns pesquisadores. Agora foi reforçada por um sucesso editorial, o livro “Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil”, do jornalista Leandro Narloch.

Trata-se de um bom livro, de leitura fácil e veloz, que incorre em um ainda mais veloz equívoco, exatamente nesse capítulo sobre os índios. É o seguinte: Narloch conta que os habitantes primitivos do Brasil saíram da África, como os habitantes primitivos de todos os lugares da Terra. No entanto, depois do aquecimento global e do derretimento do gelo das montanhas, o continente americano viu-se separado da África, da Ásia e da Europa por uma massa d’água de quatro mil quilômetros de extensão.

Até aí tudo certo. O problema é que Narloch deduz que os índios brasileiros se mantiveram na Idade da Pedra e não desenvolveram a Civilização por falta de contato com os outros povos. Sem acesso a novas tecnologias, eles jamais saíram do seu meio primitivo de vida.

Esse o erro.

Os índios brasileiros podiam ter desenvolvido a Civilização mesmo estando isolados. A prova é que os índios do lado oeste da América, os Incas, por exemplo, alcançaram níveis avançados de desenvolvimento antes de entrar em contato com os europeus. Os índios brasileiros não desenvolveram a Civilização PORQUE NÃO PRECISAVAM. Por aqui, o clima é ameno, não há terremotos ou furacões, há caça abundante, pesca fácil e, em se plantando, tudo dá, tanto dá que os índios nem plantar plantavam. Para quê, se era só esticar a mão e colher?

Narloch está certo, isso sim, quando diz que os índios, em contato com as facilidades da Civilização, logo as adotaram, e em pouco tempo não podiam mais viver sem elas, e logo queriam eles próprios civilizar-se. É claro: usar um machado de ferro é muito melhor do que se valer das mãos nuas para roçar o mato. Os índios não precisaram de curso para compreender as vantagens de morar debaixo de uma casa sólida e de lidar com ferramentas engenhosas. Não. Eles as adotaram com alegria.

É assim que é. É fácil assimilar facilidades. Há 20 anos, as pessoas viviam sem telefone celular, sem internet e sem TV a cabo. E viviam. E bem.

Há 30 anos, não havia futebol ao vivo na TV. Hoje alguém imagina viver sem? Hoje alguém concebe uma semana sem pelo menos uma transmissão de jogo da Dupla? Jogo ao vivo tornou-se indispensável. O luxo, basta se acostumar com ele para que vire artigo de primeira necessidade.

Um drama doméstico

Recebi um email desesperado de uma mãe. Seu filho, Rafael Barbosa, de 12 anos de idade, chegou em casa arrasado, com um exemplar da Zero Hora de domingo nas mãos.

– Então é isso, né, mãe? – dizia ele, voz embargada. – Então é isso: eu sou ruim. Por que tu nunca me disse que sou ruim?

É que ele leu minha coluna de domingo, em que escrevi que um time se monta de cima para baixo: os bons lá na frente, os ruins lá atrás. O Rafael é zagueiro do time dele, quer jogar de volante, mas o técnico não deixa, alegando:

– Não posso perder meu zagueirão.

A mãe do Rafael levou duas horas para convencê-lo de que ele não é ruim. Eu aqui, responsável pelo drama, peço perdão: foi só uma crônica, Rafael. Só uma história. Muitos bons já jogaram no fundo da zaga. Um Galvão, um Figueroa, um De León, um Gamarra. Hoje mesmo, um Mário Fernandes. E agora vai uma confissão, Rafael: eu era zagueiro. Sim, Rafael, eu era zagueirão.


08 de junho de 2011 | N° 16724
DIANA CORSO


Versões do abismo

Alguma coisa acontece quando um jornalista se aventura na ficção. Narrativa assumidamente inventada, a literatura é livre, solta da verdade, conscientemente narcisista, ignorante da realidade. Já o repórter voa como um balão de gás preso a um cordão, não pode nem deve desconectar-se, pois dele esperamos um mundo menos incompreensível.

Ser bom numa profissão é arcar com as utopias que ela carrega: a do jornalista é de que a informação seja confiável, de que podemos fazer a soma das versões e ter como resultado a verdade. São os jornalistas nossos olhos, ouvidos e pernas extra, graças a eles podemos transcender e compreender o que de relevante se passa além das nossas estreitas fronteiras.

Ao contrário do óbvio de seu ofício, que é fazer de seu trabalho telescópio, satélite, olhar maior, Eliane Brum sempre trabalhou com o microscópio. Pois não é somente o que está longe que nos escapa. Assim em suas reportagens, livros e documentários revelou gente que está conosco, mas não é visível a olho nu, experiências de vida, miséria, morte e superação às que nunca prestaríamos atenção.

A peculiaridade desse trabalho sensível um dia ainda ia acabar em ficção, e assim foi.

Dar voz pública às mulheres trouxe como consequência a oportunidade de divulgar seus pesadelos típicos, entre eles o maior: o de afogar-se nas águas abissais da relação mãe-filha, uma luta corpo a corpo, onde uma fenece para que outra desabroche.

É sobre isso o primeiro livro de ficção de Eliane: Uma Duas, publicado pela Leya. Sua personagem Laura é uma filha que procurava tirar a mãe do seu corpo, sabendo que sem isso, nada sobraria. Como sair das entranhas, sem poder partir completamente?

Mulheres precisam ocupar um corpo que a cada dia se torna mais semelhante ao da própria mãe. Minhas filhas tinham pavor da Maria Degolada, o fantasma de uma mulher assassinada, lenda da tradição de Porto Alegre. Dizem que se nos trancarmos no banheiro e gritarmos três vezes seu nome ela aparecerá no espelho. Elas tinham razão, para nós mulheres os espelhos sempre guardam uma assombração, é a cara da nossa mãe, é a nossa cara da mãe.

Mesmo navegando na fantasia, Eliane, a jornalista, não podia deixar de ouvir os dois lados. o pesadelo simbiótico tem duas versões, mãe e filha escrevem o que sentem sem ler uma à outra, cabe a nós a acareação da verdade inexistente. Elas se odeiam e amam com paixão e nos conduzem por sua dolorosa separação. É uma reportagem nos abismos. Eliane invadiu os divãs, os pesadelos das mulheres e de lá, mais uma vez, trouxe notícias quentinhas.


08 de junho de 2011 | N° 16724
PAULO SANT’ANA


A mão amiga

Eu, muitas vezes, fico impressionado com a importância que tem um amigo.

Chego a crer que não tenha tanta, mas logo deparo com os fatos e sou obrigado a declarar que um amigo é mais importante que o dinheiro, mais importante que o ouro, um amigo muitas vezes é mais importante do que um emprego.

Não há nada mais abençoado e mais providencial do que um gesto de um amigo.

A gente está à beira do abismo, só à espera de que uma lufada de vento, um acontecimento qualquer, nos derrube para o precipício – e como por um milagre surge a mão salvadora de um amigo – ou de uma amiga – e nos devolve para a competição da vida.

Nós não temos muito bem nítida a importância de um amigo. Só constatamos isso quando surge das sombras a atitude iluminada de um amigo a salvar-nos do desastre.

Que valor tem um amigo!

Nesse particular, eu, que sou um pessimista em relação ao caráter das pessoas, tenho me surpreendido com a atitude de algumas pessoas que se têm revelado minhas amigas.

Ontem, por exemplo, tive um encontro com três pessoas e saí de lá encantado com o modo superior, calmo, afetivo com que me trataram e por isso me encheram de alegria.

Tem muita gente boa no mundo, a nossa tarefa é conquistá-la. E, quem sabe, honrar-nos com sua amizade.

E é comovedoramente deliciosa a sensação que temos quando somos bem tratados por alguém.

Você chega a um lugar e depara com uma pessoa – ou mais de uma – que se determina a ajudá-lo. Ou por simpatia, ou por amizade, ou por admiração, lança-se à tarefa de ajudá-lo. E o ajuda, quando mais falta lhe fazia essa ajuda.

Não é linda essa cooperação entre as pessoas? A gente espera de um ambiente uma selva e encontra lá um oásis de solidariedade.

Que coisa linda!

Mas e o Palocci? Agora que ele caiu, tenho uma dúvida: será ético e moral (legal já vi que é) sair do Ministério da Fazenda e ir prestar consultoria a grandes empresas?

Pedro Malan e Mailson da Nóbrega saíram do Ministério da Fazenda e foram trabalhar na iniciativa privada.

Será isso ético e moral?

Mas não foi por isso que Palocci caiu. Ele caiu com base na desconfiança de que tivesse arrumado uma fortuna súbita através de tráfico de influência ou de sobra de campanha.

Eu até acho que já convalesceu a ideia de que político prestar consultoria é lícito.

Tanto que José Dirceu também caiu da Casa Civil e, pelo que se noticia, presta consultoria adoidado.

Sob certo aspecto, compreende-se só agora por que determinadas pessoas aceitam integrar governos ganhando salários modestos: é que depois que saem de lá faturam consultorias milionárias.

Ponha o pé no governo e enriqueça.